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Sexta-feira, 24 de novembro de 2023 13h52


PANTANAL EM CHAMAS

Escassez de água e falta de prevenção agravaram incêndios no Pantanal, diz Lúdio

Audiência pública reuniu moradores, pesquisadores, entidades e gestores e debateu medidas para evitar avanço das queimadas no Pantanal

LAISE OLEAS LUCATELLI / Gabinete do deputado Lúdio Cabral



Foto: Marcos Lopes

O impacto dos incêndios de 2023 no Pantanal de Mato Grosso e a necessidade de colocar em prática planos de prevenção foram debatidos em audiência pública realizada pelo deputado estadual Lúdio Cabral (PT) na Assembleia Legislativa, na quinta-feira (23). O fogo que começou no Parque Estadual Encontro das Águas em outubro se espalhou e chegou à estrada-parque Transpantaneira em novembro. Moradores, entidades, pesquisadores e gestores de órgãos federais reforçaram a necessidade de ações efetivas para prevenir novos desastres. Três anos depois dos grandes incêndios que consumiram um terço do Pantanal em 2020, muitas das ações definidas na época não foram efetivadas.

“Uma coisa é se preparar para enfrentar o fogo, que é tarefa do Corpo de Bombeiros na linha de frente. Presenciamos todo o esforço das equipes em campo quando fomos ao Porto Jofre na semana passada. Outra coisa é planejamento para evitar que os incêndios aconteçam. Depois de 2020, muita coisa deveria ter sido feita e não foi. O Estado precisa se preparar”, observou Lúdio. Ele citou ainda a estrutura precária na região. “Até o Pixaim a energia elétrica tem três fases, depois é uma fase só e há equipamentos que dependem de três fases. A internet é precária, não há sinal de celular. Tem apenas um servidor no Parque Estadual Encontro das Águas”, citou Lúdio.

O deputado lembrou também da importância de políticas públicas de proteção e recuperação ambiental. “A raiz do problema é a escassez progressiva de água. Temos que preservar não só a planície, mas também o planalto. Por isso muitas entidades usam a frase ‘Pantanal por inteiro e não pela metade’. Porque as principais ameaças estão fora da planície pantaneira: monocultura de plantas com raízes rasas que impedem a infiltração de água nos lençóis freáticos e lançam veneno nas águas, hidrelétricas nos rios que alimentam o Pantanal”, completou Lúdio.  

Combate ao fogo

O presidente do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Mauro Pires, que esteve em Mato Grosso na semana passada e foi aos locais dos incêndios, participou online da audiência. “O fogo atinge também as turfas do Pantanal, as áreas subterrâneas, e o solo precisa estar mais encharcado para evitar a continuidade do incêndio. Neste ano foram queimados quase 1,3 milhão de hectares. A situação não foi tão ruim quanto em 2020, mas não podemos continuar nesse patamar. Temos que trabalhar com prevenção. Lá no Porto Jofre, além do ICMBio, Ibama e Corpo de Bombeiros, contamos com várias organizações da sociedade civil que ajudaram no combate ao fogo e resgate de animais”, disse.

O coronel Dércio Santos, chefe do Comitê de Gestão do Fogo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), e a coronel Vivian Rizziolli, diretora operacional do Corpo de Bombeiros Militar, relataram o trabalho das equipes em campo e a estrutura usada para combater o fogo, com 120 bombeiros, 5 aviões, 4 helicópteros e 11 barcos. A superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Cibele Xavier Ribeiro, informou que o programa de prevenção a incêndios no Pantanal tem 301 brigadistas e, na linha de frente do combate ao fogo, estão 74 brigadistas do Ibama e 63 do ICMBio.

Pantaneiros desabafam

“Qual será a ação daqui pra frente? Vai ser mais quente no ano que vem. Tem base no Porto Jofre? O fogo de 2020 foi um alerta e autoridades ficaram de braços cruzados”, afirmou o ribeirinho Pedro de Souza Ponce, da Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneiras. O pescador Fernando Cearazinho destacou a necessidade de capacitar os pantaneiros para manejar o fogo e evitar a ocorrência de incêndios acidentais. Ele iniciou sua fala pedindo um minuto de silêncio pela natureza. Depois citou diversas localidades do Pantanal e também criticou a Cota Zero. “Estou falando todas as curvas do rio porque quero saber onde tem ação do governo de Mato Grosso. O governador tirou meu direito de pescar e de sobreviver”, disse.

Animais atingidos

“O fogo teve muito impacto na vida silvestre. Não houve prevenção e manejo da fauna. Já são milhões de animais atingidos, principalmente anfíbios, répteis, pequenos mamíferos. Esses animais são vítimas invisíveis, são base de toda cadeia alimentar e fazem dispersão de sementes. Mas alguns órgãos estaduais só reconhecem o impacto sobre a fauna se tiver onça queimada. Ainda tem focos de calor e os incêndios podem voltar. Não podemos contar com a chuva”, desabafou Carla Sassi, veterinária do Grupo de Resgate de Animais em Desastre (GRAD), que está no local dos incêndios.

Jenifer Larrea, da ONG É o Bicho, também contou a experiência da entidade no Pantanal. “Fomos chamados de alarmistas, mas nossa intenção é a proteção do Pantanal. Nada foi feito para mitigar o problema. Não podemos contar só com a chuva, esperar que se repita o que aconteceu em 2020 e o caos esteja instalado para agir. Se existe verba disponível, então falta gestão, porque o problema continua”, disse. Leonardo Gomes, da SOS Pantanal, cobrou planejamento de políticas públicas perenes. “Eu vejo notícias de milhões em investimentos. Vai tudo para infraestrutura e logística? Precisamos de investimento em prevenção”, afirmou.

Experiência no Cerrado

Fernando Francisco Xavier, do ICMBio em Mato Grosso e chefe do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, destacou que os incêndios estão cada vez mais graves em função da emergência climática e que precisamos rever a forma de lidar com o fogo. “O futuro não vai ser o mesmo para nós nem para o Pantanal”, disse. O chefe substituto Luiz Gustavo contou a experiência de manejo do fogo e queima prescrita na Chapada, que tem evitado a ocorrência de grandes incêndios na unidade de conservação federal que fica no Cerrado mato-grossense.

O coronel Paulo Barroso, da reserva do Corpo de Bombeiros e integrante do GRAD, destacou a necessidade de estudo das áreas e conhecimento científico para a queima prescrita. “O Pantanal tem áreas propensas, áreas adaptadas e áreas sensíveis ao fogo. O produtor não pode simplesmente riscar o fósforo”, disse, criticando ainda o fato de a Sema emitir autorização para queimada sem vistoria do Corpo de Bombeiros. Barroso ressaltou também a necessidade de prevenir e não apenas combater o fogo. “Os bombeiros e brigadistas são o último recurso para enfrentar o fogo. Se o governador tem R$ 200 milhões para investir na Chapada, por que não investir nas unidades de conservação estaduais ameaçadas pelo fogo?”, questionou.

Pantanal está diminuindo

“O Pantanal está perdendo muita água. O volume menor de chuvas abasteceu menos o bioma, o rio Paraguai está mais baixo que no ano passado, então o Pantanal está com uma extensão menor de área alagada e, portanto, mais propenso a pegar fogo de forma intensa”, explicou Alcides Faria, da entidade Ecologia e Ação (Ecoa), destacando os riscos para o próximo ano e os seguintes. Ele propôs que o governo federal e os governos estaduais criem um centro de operação climática, sob a liderança de cientistas climáticos que desenvolvam análise específica para a bacia do Paraguai e o Pantanal, para traçar cenários e adotar medidas preventivas. “Se a preocupação for só com o combate na ponta, é impossível conter o fogo”, afirmou.

A pós-doutora Carolina Joana, da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), apoiou a proposta do centro climático. Ela destacou as alterações já observadas na flora do bioma: plantas aquáticas estão sendo substituídas por plantas anfíbias, que vivem tanto na água como na terra. “Precisamos de uma estratégia para manter a água no Pantanal. Não pode ter hidrelétricas nem soja no entorno. Temos que plantar o que traz chuva e fazer restauração da água. Os cientistas já avisavam há muito tempo que isso aconteceria. Precisamos fazer chegar ao agronegócio e aos empreiteiros que o planeta é um só, mesmo que eles morem em Miami ou Balneário Camboriú. Não tem para onde fugir”, disse.

“É a água que regula tudo no Pantanal e no planeta. Não existe vida animal sem água e plantas. Precisamos de uma lei que proteja o Pantanal do impacto das hidrelétricas, não importa que sejam pequenas ou grandes, elas causam estragos”, afirmou o biólogo e ictiólogo Francisco de Arruda Machado, conhecido como “Chico Peixe”. Clóvis Vailant, do Instituto Gaia, lembrou do impacto da Cota Zero sobre a proteção do bioma e da brigada de pescadores que foi desmobilizada com a proibição da pesca. “70% dos municípios do Brasil perderam superfície de água em 30 anos e maior perda foi no Pantanal. Neste ano há El Niño, mas os incêndios estão se repetindo e o centro climático é a melhor ferramenta para prevenção”, disse.

Fernando Tortato, da ONG Panthera, que cedeu uma propriedade para instalar uma brigada voluntária, lembrou dos impactos da destruição causada pelos empreendimentos no entorno do Pantanal. “O desmatamento no planalto e as hidrelétricas reduzem a água na planície pantaneira. A hidrovia que querem construir é o fim do Pantanal, porque aumenta o fluxo da água e drena o rio”, explicou. O deputado estadual Wilson Santos (PSD) afirmou que o Pantanal está excluído das políticas públicas do governo de Mato Grosso. “A única política pública que existe é orar pela chuva. O capital e a elite governante desprezam o Pantanal”, disse. 

 


Gabinete do deputado Lúdio Cabral